segunda-feira, 25 de março de 2013

Esse mundo


Esse mundo estranho. Paradoxal. Sazonal. Infame.
Um mundo que tem tanta coisa ruim. E que tem tantas outras coisas lindas.
Um mundo que teve Jesus Cristo e o Holocausto.
Tem um pôr do sol a cada dia e guerras, a cada dia.
Lágrimas que escorrem dos olhos quando descobrem assassinatos e mortes estúpidas causadas por pessoas embriagadas ao volante. E também, lágrimas que escorrem dos olhos que presenciam o nascimento de novos pequenos projetinhos de gente, lindos projetinhos, com carinha de joelho.
Mundo esse que viu tantas vezes a ganância sobrepujar pessoas, povos, culturas. E que também viu a arte sobrepujar essa mesma ganância.
Da infâmia dos déspotas, da benevolência dos anônimos.
Da pessoa que odeia outra só por ter uma cor de pele ou orientação sexual diferente da sua. E da pessoa que paga um almoço para um pobre desconhecido que apenas lhe pediu uma moedinha.
Um mundo em que as diferenças não entendem que são todas e todos iguais. Humanos.
Da porta do elevador mantida aberta para um outro alguém entrar. Do desejar bom dia sem esperar resposta.
Ou seja, um mundo cheio de pessoas estranhas. Infames. Medíocres.
Mas um mundo que mantém uma esperança para os diferentes, os bons, os que sonham ao pôr do sol e que desejam apenas, sorrir para sempre. Tipo, você.

terça-feira, 19 de março de 2013

O final é o começo



Ali está a jovem, bela e balzaquiana Cidinha, sentada em um café. Dentre goles em seu cappuccino, ela lê o livro de contos que um amigo lhe emprestara. “Leitura de banheiro”, segundo ele. “Por quê?”. “Oras, porque você senta, abre em uma página, lê e fecha. Rapidinho assim.” Apesar de não estar no banheiro, ela até que estava se interessando pela leitura. Quem também estava se interessando, não pela leitura, mas por ela, é o jovem rapaz sentado logo na mesa ao lado.
- Que voz, não?
- Oi? - falou Cidinha, um pouco incomodada com a intromissão “bem na hora que o Rubens ia convidar a Jussara para tomar um chopp!”
- Que voz tem esse autor, tão única, tão poética.
- Nunca vi nenhuma entrevista com ele. - e voltou a olhar para o livro, certa que passara o recado para o rapaz. Ou seja, puxe mais papo porque você é bonitinho.
- Qual conto você está lendo?
Cidinha voltou algumas páginas.
- “O final é o começo”, é o nome.
- O Rubens chamou a Jussara para um chopp, ela aceitou, eles dormiram juntos e depois de duas semanas tudo acabou.
- Mas... - e ela interrompeu ali, não querendo ofender o jovem rapaz. - Você estragou a surpresa do final!
- Eu só...
- Sério, estou ofendida. De que adianta ler algo já sabendo o final... Ai, como é o nome?
- Rubens.
- Spoiler! Odeio spoilers. Você me deve um pedido de desculpas...
- Posso me explicar?
- Depois das desculpas, pode.
- Desculpe. Então, eu só disse o final pra você pensar se vale a pena chegar até ele.
- Quê?!
- Oras, se mesmo sabendo o final você ainda quer chegar até ele, é porque vale a pena. Vale?
Cidinha estava atônita, olhando nos olhos e boca daquele jovem e bonitinho rapaz.
- Não sei, digo... Acho que vale.
- Bom, posso te pagar um chopp?
- Pode, claro.
- Ótimo, e me diga... Qual seu nome?
- Aparecida. E o seu?
- Rubens! O seu nome não é Jussara?
- Não, é Aparecida.
- É, acho que o autor errou dessa vez.
- Como?
- Não devia ser Aparecida, tinha que ser Jussara, como no conto.
- Mas isso não é um conto.
- Se não é, posso te chamar de Jussara?
- Pode, vai... Só porque você é bonitinho.
Rubens chamou o garçom e pediu dois chopps. Dez chopps depois, ele e Cidinha-Jussara foram para a casa dele. Dormiram juntos. E duas semanas depois, tudo havia acabado.

terça-feira, 12 de março de 2013

Essas idas e vindas



Eu sempre imagino as histórias que determinados lugares nos contariam, caso pudessem e quisessem nos falar. Assentos de táxis. Assentos de ônibus. Salas de espera de hospitais. Salas de espera de maternidades. Cemitérios. Celulares! Porém, o local com as mais íntimas histórias escondidas é o aeroporto.
Porque naquele saguão daquele aeroporto está um senhor sentado e bebendo, em uma mesa, um copo de chopp. Ele está bebendo com a vontade que um senhor de 55 anos beberia. Ele bebe por um motivo muito específico: nervosismo. Muitos anos atrás, naquele mesmo local lá se foi sua pequena filha, depois de uma briga feia.
E agora ela está voltando, trazendo nos braços um pequeno filho.

Na mesa ao lado um jovem garoto conversa com uma jovem garota. Um de frente para o outro, mas com as mãos dadas e esticadas sobre a mesa. Do lado dele, a promessa “Você está indo embora, mas me espere, porque irei atrás de você!” e do outro lado, ela responde com lágrimas nos olhos o que seu coração queria dizer “Venha, porque estarei te esperando.”.

Em outra mesa, uma mulher que não tem mais do que 40 anos olha para o nada, assertiva. Até que seu celular toca. Ela atende, sorri e se levanta sem nunca nos dizer o que estava acontecendo.

Na ala de desembarque, um rapaz está esperando pacientemente. Um funcionário do aeroporto se aproxima dele e diz “Oi, teu nome é...” “Sim, sou eu.” “Isso é pra você.”. O rapaz sorri, agradece e pega uma mala. Sem sequer sair do lugar, ele a abre. É a vodka francesa que ele esperou por tanto tempo. Natasha. Ele fecha a mala e vai embora, sonhando com um novo e melhor amanhã.

Em outra ala de desembarque, outro rapaz está esperando com uma placa levantada que diz o nome de uma garota, circundada por um coração. E ele continuou ali esperando, até entender que a garota nunca viria.

Na sala de espera para entrar no avião, um homem fala com outro homem. Caso corriqueiro, claro, exceto pelo fato dos dois homens serem exatamente iguais. Irmãos gêmeos, um está indo para um país do hemisfério norte e o outro, para um país oriental. E pela primeira vez em suas vidas, eles não estarão juntos. Ao seu momento, um prometeu ao outro cuidar-se, manter a calma e criar uma nova vida.

Continuando as histórias que um aeroporto contaria se pudesse e quisesse contar, ali estão um homem e uma mulher. Cada um nos seus 30 anos bem vividos. Ela vai embarcar e ele vai ficar. Ela vai para a Itália e ele ficará por aqui. Ela irá em busca de novos sonhos e ele ficará, por aqui, sonhando por ela. Ela foi. Ele ficou, olhando para a Lua.

E no portão de entrada um jovem rapaz beija, efusivamente e dentre lágrimas, uma jovem garota. Eles se amam mas ela está indo embora para outro país. E como fizeram antes, na mesa, ele prometeu ir atrás dela. Ela prometeu que iria esperar por ele. E como terminou essa história, só os dois sabem.

E são essas poucas dentre muitas histórias que um aeroporto poderia contar. Se pudesse. E se quisesse.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Heleninha, virgem Heleninha




E aí veio a notícia. Heleninha, logo a casta Heleninha, estava grávida.

- Só pode ser do Espírito Santo, tipo Maria! - bradou a garota para as três amigas, durante o jantar semanal. - Nem namorado tenho. - completou. Vânia olhou para ela com desdém e comentou com Isabela, quase aos cochichos. - Se mulher só engravidasse com namorado, o mundo teria 8 pessoas.

As duas riram entre si. Heleninha, a imaculada Heleninha, ignorou as risadas, o motivo delas e desatou-se a chorar.

- E agora? Como vou contar aos meus pais? E meu Deus, quem é o pai?

Silêncio. As três amigas aguardavam as próximas palavras de Heleninha, que não vieram. Virgínia resolveu que era hora de intervir.

- Heleninha, com quem você andou dormindo?

- Dormindo? - protestou Vânia. - Dormindo!? - protestou novamente. - Com quem ela andou transando! Essa deveria ser a pergunta!

O silêncio agora era pontuado pelos soluços da virgem Heleninha.

- Com ninguém... Sou pura.

As três amigas começaram a rir. Pararam assim que perceberam que Heleninha, aparentemente, falava sério.

- Amiga, virgem não engravida. - atestou Vânia, demonstrando a você, leitor, ser a mais sexualmente ativa do grupo.

- Mas e Maria? - perguntou Isabela, também demonstrando a você, leitor, ser a mais religiosa do grupo.

- Maria está no céu. - interveio Virgínia, demonstrando não fazer ideia do que a palavra “contexto” significa.

Heleninha apenas soluçava dentre lágrimas. Vânia, em sua esperteza, pegou o celular de Heleninha, viu o nome do pai da futura criança e colocou o aparelho no ouvido.

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Paulo Coelho “igual o escritor”, como costumava repetir, queria apenas que o expediente da semana terminasse. Sexta-feira! O problema é que ainda era terça-feira. Conscientemente ignorando essa informação, ele apenas sonhava com um número: 18:00. A alforria. A hora de ir embora. A liberdade provisória que teria até o momento em que chegasse em casa e encontrasse a esposa, “uma vaca ciumenta, manipuladora e possessiva” como também costumava repetir. Aliás, vale citar que Paulo Coelho sempre repetia verdades universais como se fossem suas “igual o escritor”, como costumava... repetir.

Em todo caso, Paulo estava no trabalho quando seu telefone celular tocou. Era um número desconhecido.

- Alô?

- Paulo?

- É ele. Quem está falando?

- Paulo, é o seguinte. Você não me conhece, meu nome é Vânia e eu tenho algo muito importante pra te dizer. Você está em pé? Sente.

- Mas eu estou sentado.

- Então deite.

- …

- É o seguinte. Você vai ser pai.

É importante seguir o raciocínio que Paulo teve nesse momento. Seu cérebro estava hiperativo pelo excessivo consumo de café feito durante todo o interminável expediente. Segue o que se passou em sua mente naquele instante “Po, eu falei pra Julia se cuidar, tomar o remédio sempre. Não posso arcar com um bebê agora. Vou falar pra ela abortar. Isso! Não! Abortar é feio, Deus não gosta. Que merda, vou ter que me matar de HE (Hora Extra) pra poder pagar tudo que um bebê precisa. Sem falar que os pais dela, que já me odeiam, vão achar que fiz de propósito e então...”

- Paulo? - a voz de Vânia no telefone interrompeu tudo.

- Sim, diga.

- A Heleninha está grávida.

- Heleninha?

- Sim, a Heleninha.

- Mas eu não conheço nenhuma Heleninha. Sou casado.

- Você diz que é casado? E a Heleninha diz que é virgem, portanto...

- Mas é sério. Eu não conheço nenhuma Heleninha...

Nesse instante, Vânia olhou para o celular e notou a merda que fez.

- Paulo, desculpa, liguei para a pessoa errada.

- Já que está tudo errado, hoje pode ser sexta-feira?

- Pode!

Vânia desligou. Paulo mandou tudo à merda, se levantou e foi embora louco pra abraçar e fazer amor (coisa que só casados fazem e, quando fazem, é só no aniversário de casamento). Quando ele chegou em casa agarrando taradamente Julia, ela estranhou. Eles treparam. Ela, sendo uma vaca ciumenta e possessiva perguntou “quem mais ele estava comendo, já que ele nunca fizera aquilo e, já que não fizera, obviamente tinha aprendido com alguma outrazinha qualquer” pediu o divórcio. Totalmente arrasado, no dia seguinte ele foi demitido, por ter mandado tudo (leia-se, o chefe) à merda.

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Vânia estava segurando o telefone celular na mão. Com um leve remorso, olhou para a chorosa Heleninha.

- Amiga.

- Quê? - e prosseguiu a chorar.

- Quem é Paulo Coelho?

- Um escritor. - Heleninha, Isabela e Virgínia responderam juntas.

- Ok. Quem é o Paulo Coelho que está na sua agenda do celular?

- Ah, é meu chefe.

- Ok. - limitou-se a dizer Vânia, torcendo para que Paulo tivesse uma posição corporativa tão alta que jamais soubesse da existência de Heleninha. Claro, Vânia jamais saberia que Paulo seria demitido no dia seguinte.

- Amiga, sério. Quem pode ser o pai do seu filho? - perguntou Isabela.

- Ou filha, né! A gente nem sabe ainda. - questionou a feminista Virgínia.

- O que seja. - finalizou a polêmica, Vânia, completando. - Heleninha, para quem você... Deu... Nas últimas semanas?

- Pra ninguém. Sou pura. Sou virgem. - repetiu Heleninha, sob olhares reprovadores das três amigas que pensavam, coincidentemente, a mesma coisa, entre si “É claro que é.”.

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O nome do possível pai continuou em pauta dentre todas as três amigas por muito tempo. Mas é lógico que nenhuma delas falou um A para Heleninha. Afinal... Ela era casta e imaculada.
O tempo passou.

Até que veio a notícia. Heleninha, logo a casta Heleninha, não estava grávida. Já era outro jantar semanal.

- Espera, mas como não? - questionou Vânia.

- Foi erro do laboratório. - replicou Heleninha.

Todas comemoraram a não vinda de um outro rebento para o mundo. Todas, exceto Vânia, que pegou o próprio celular e mandou uma mensagem que dizia “Paulo, você está deitado? Se levante. Você não será pai!”

Mal sabia Vânia que Paulo já tinha se divorciado, estava solto no mundo, feliz e (naquele momento, bêbado) que, no momento em que recebeu a mensagem ligou para ela. O que ele disse?

- Ainda bem que não serei pai. Mas o que você acha de nós brincarmos de fábrica de bebês, agora?

Vânia disse um singelo “Sim.” para ele, se despediu das amigas e foi não só demonstrar a você, leitor, ser a mais sexualmente ativa do grupo, como foi provar.