segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O taxista

Ele errou. Sabia disso, sabia que tinha errado. Sabia que não deveria ter deixado que ela saísse por aquela porta daquele apartamento. E sabia que agora era tarde demais para correr pela rua na tentativa de alcançá-la e fazê-la mudar de ideia. Ofegante, estava parado na janela, observando-a caminhar pela noite, pela rua, rumo a uma esquina. Pegou o celular no bolso e pensou em discar o número dela. Desistiu. Ela não atenderia.

Ao virar uma esquina, ela parou debaixo de uma marquise. Abriu a bolsa, pegou seu celular e ficou olhando-o, na esperança que ele ligasse para pedir desculpas. Mas na tela, apenas o horário dizia a ela que aquela madrugada nunca mais seria esquecida. Ela discou o número dele, mas desligou em seguida. Então, chamou um táxi, pediu que ele viesse rápido e continuou caminhando.

Em algum lugar qualquer, um taxista recebeu uma chamada no rádio. Anotou o endereço no bloquinho grudado no para-brisa e embrulhou seu sanduíche. Ligou o carro sem saber que naquela madrugada, iria mudar a vida de dois alguéns.

No apartamento, ele tirou a camisa, e abriu outra garrafa de vinho. Mas esse era nacional, barato, como ele mesmo se sentia. Afinal, iria beber sozinho. No gargalo mesmo, deu um longo gole. Suspirou e recostou a cabeça no sofá. Sabia que por aquela porta daquele apartamento, uma história havia acabado de terminar. Culpa do orgulho, do ciúme. Culpa dele. Enquanto discutiam, ela chorou. Ele gritou. Ela implorou. Ele terminou. Ela se foi. E ele ficou. Arrependido.

Caminhando no meio da rua, ela ainda chorava. Levava a manga do casaco ao rosto, para secar as lágrimas e as gotas da fina chuva que caía. Queria entrar novamente por aquela porta daquele apartamento, mas não deveria. O fim tinha chegado. E só restava a ela continuar caminhando.

Ele se levantou do sofá, acendeu um cigarro e foi até a janela. Precisava pensar. Precisava decidir. Olhou novamente para a esquina, na vã esperança que ela surgisse novamente por ali. Esperando por ele. Enquanto olhava, um táxi passou em frente ao seu prédio e virou naquela mesma esquina, naquela mesma direção.

O taxista parou na esquina e virou. Falaram que ele precisava chegar rápido. E ele chegou.

Caminhando pela rua, ela chorava. Estava ali, mas seus embriagados pensamentos estavam longe. Estavam nele. Então, ouviu uma buzina e uma freada brusca.

O taxista acelerava quando viu um vulto à sua frente, no meio da rua. Por instinto, buzinou e pisou bruscamente no freio. Se a rua estivesse seca o final seria diferente. Mas não estava. Não foi.

Na janela do apartamento, ele ouviu uma buzina, uma freada e um grito. Se assustou.

Na rua molhada, ali estava ela deitada no chão. O taxista saiu do carro, olhou para ela e chutou o pára-choque do táxi gritando vários palavrões. Se aproximou dela, e viu que ela chorava. Ou então, era a chuva. Voltou para dentro do táxi e pegou o rádio para chamar socorro. Enquanto ele falava, outro táxi chegou. Era o táxi que ela havia chamado. O outro taxista desceu e conversaram. Um iria buscar um empresário que estava atrasado para pegar um vôo. O outro, iria pegar uma garota que estaria esperando naquela rua.

Da janela do apartamento, ele ouviu seu celular tocar. Foi até ele e olhou para a tela. Era ela. Não sabia se deveria atender ou não. Pensou um pouco, deu outro gole no vinho e atendeu. Um homem falou. E a garrafa de vinho caiu no chão, sujando o tapete de vermelho.

Na rua, um dos taxistas colocou o celular dela de volta na bolsa. Conversaram com ela e a ajudaram a se levantar. Ela estava bem. Com o braço e a perna levemente machucados, claro, mas bem. Da esquina, um homem sem camisa veio correndo. Também estava chorando por causa da chuva. Conversou com os dois taxistas e entendeu o que havia acontecido. Perguntou se ela estava bem e ela respondeu que sim, mostrando apenas o braço e a perna. Um dos taxistas perguntou se ela precisava ir a um hospital, mas ela disse que não. O outro taxista pediu desculpas e licença, entrou no carro e foi em busca do seu ainda mais atrasado cliente. Ela disse que queria apenas ir para casa. O taxista que viera buscá-la então perguntou se ela precisava de alguma carona, por cortesia. Ela disse que não, que a casa dela era logo ali, num apartamento virando aquela esquina. Então o taxista deixou seu número de celular, para o caso de alguma emergência, e foi embora. Então, ela olhou para aquele homem sem camisa e o abraçou, totalmente molhada por causa das lágrimas e da chuva. Ele a abraçou e foram para o apartamento que agora, era novamente deles.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Existir ou viver

Ali estava ele, recostado naquela parede suja daquele sujo boteco, bebendo um copo de whisky e olhando para ela. Para ela e para aquele homem que a abraçava. Que abraçava e, também, beijava-a. E, enquanto olhava, ele se perguntava o por quê. Por que a olhava daquele jeito, cheio de vontades? Por que a queria assim, acima de todas as outras pessoas, mesmo sabendo que ela está com outro? Ele se perguntava isso, mas já sabia da resposta. Ele a queria, porque sabia que ela não fora feita para aquele homem que a beijava. Ele sabia e sabe que ela foi feita pra ele. O detalhe é que ela ainda não sabia disso. Ainda.

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Dias antes, ali estava ele, ao telefone, conversando com ela. Assuntos idiotamente cotidianos, mas ao mesmo tempo, interessantes. Futilidades que iam do “como foi seu dia?” até “você viu aquele vídeo idiota daquele idiota que pula de uma pedra e cai de barriga na água?”. Ele duvidava que ela se divertisse e conversasse daquele jeito com outras pessoas. Dentre essas conversas, ele sentia medo. Medo pois sequer imaginava que alguma outra pessoa no mundo tivesse uma coleção de escovas de dente em casa, apenas porque esquecia de levar a sua para uma viagem, obrigando a compra de uma outra que, depois, acabaria guardada em uma gaveta qualquer. Ele sentia medo e tentava imaginar o que mais tinham em comum. E tinham muitas outras coisas, coisas essas que acabariam por tirar o medo dele e transformariam esse medo em, paixão. Paixão e decepção.

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Naquela suja parede daquele sujo bar, ele observava os dois. Ela estava bebendo cerveja, o homem, água tônica. Ela está fumando um cigarro e ele, mascando um chiclete de menta. Ela jogava sinuca de um jeito que ele jamais jogaria, enquanto o homem jogava sinuca de um jeito que ela apenas sorria. E ele ali, recostado na parede. Observando. Imaginando.
Então ele se lembrou do beijo dela. Daqueles beijos, que duraram uma madrugada apenas. Daqueles lábios, que agora tocavam outros lábios. Daquele perfume, que agora impregnava outra camisa, que não a dele. Lembranças que não deviam machucar, mas que machucavam. Machucavam não por pertencerem agora a outra pessoa. Mas por pertencerem a outra pessoa que não as merecia. Apenas porque essa outra pessoa não fora feita para ela. Então ele pediu outra dose de whisky.

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- Por que você tá com ele?
- Porque eu gosto dele.
- E você está feliz?
- Não sei.
- Você deveria responder que sim. Se não sabe, é porque sinceramente, você não está.
- É, sei lá.
- Você não sabe, mas eu sei que não está.
- Mas agora estou com ele.

Esse golpe ele sentiu com força. Não por gostar, e muito, dela. Mas porque, acima de tudo, ele quer vê-la feliz. E ela não está, assim, feliz. Ela está apenas vivendo no comodismo. E isso não é viver, é existir.

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Ali, bebendo aquele whisky, ele continua observando os dois. E fica apenas a imaginar como seria se tudo fosse diferente. Se ele soubesse jogar sinuca como ela joga. Se ele estivesse abraçando-a, ao invés de vê-la ser abraçada. Como seria, se os dois estivessem bebendo um vinho qualquer em uma praça qualquer. Como seria estar deitado com ela na cama, matando ambas as vontades. Como seria beber um café ao lado dela, dentre as fumaças de ambos os cigarros. Ou como seria viajar para a praia num sábado ao anoitecer, sentar na areia, conversar e se divertir para, depois, simplesmente vir embora. Ele imagina, enquanto ela existe. Mas não vive. E ele fica ali, torcendo para ela desistir dessa ideia tola de apenas existir, para vir viver com ele uma louca história completamente sem planos, sem ideias e sem mentiras. Para viver momentos cheios de loucura, de risadas e de conversas em comum. E enquanto ela existe e finge viver, ele está por aí, apenas sonhando dentre um copo e outro de whisky.