quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O seu problema

Esse texto teve um tema colaborativo entre eu e a @__nana. Ela bolou a frase inicial e nós combinamos que cada um escreveria um conto a partir dela. Apenas isso. E o que ela escreveu? Você pode conferir aqui ó: Nana e o mar. Enjoy them.

- Sabe, talvez o problema seja mesmo você.

Ele pensou, enquanto se olhava no espelho do banheiro. Talvez ele fosse o problema. E não ela. Lá fora, mais uma noite fria na sua vida o aguardava. Foi até o quarto, pegou seu casaco e saiu de casa. Caminhou sem rumo, apesar de saber onde queria chegar. E onde queria chegar não era um lugar. Lembrou-se do curto conto que viveu com ela. Conto que ele adoraria que virasse um longo romance. Mas não virou. Ela não quis. E se ela não quis, motivos haveriam de existir. Motivos que seriam para sempre um mistério envolto nas várias hipóteses que ele imaginou.
 
Caminhou até passar em frente a um bar. Olhou para dentro e, sem saber direito porque, entrou. Pediu uma dose de whisky, acendeu um cigarro e sentou. Ficou ali, apenas observando as outras pessoas. Em outra mesa, havia um outro homem sentado, sozinho. Talvez ele também estivesse pensando em como chegar a algum lugar. Ou, talvez, estivesse pensando em como se perdeu.

Observou um casal e sentiu inveja. Levantou o copo e brindou sozinho aos caminhos daqueles dois que se encontraram. Chegou à conclusão de que ele era sim o problema. E que o seu problema era não saber como chegar àquele lugar. Começar a jornada, ele sabe. Mas sempre que se encontra em um cruzamento, não sabe para onde ir. Então, arrisca um caminho qualquer e, quando vê que errou, não tem mais como voltar e escolher outro.

O whisky terminou. Ele deixou uma nota sobre a mesa e saiu do bar. Enquanto andava, pensava. Qual será a solução para ele? Para o problema? Dentre todos os infinitos cruzamentos das ruas da vida, há uns dois ou três que o levarão até ela. Como descobrir qual escolher? E qual desses irá convencê-la a caminhar junto com ele? É essa dúvida que o faz continuar essa caminhada sem rumo. Por enquanto, sem fim. E, por enquanto, sem ela.

sábado, 12 de setembro de 2009

Óbvia redundância

O subir para cima e o entrar para dentro têm absolutamente tudo a ver com o gostar de você. Foi o que ele pensou enquanto pensava nela. Essa óbvia redundância, apesar de clara, era nada. Nada daquilo que ele pensava que ela queria. E ele pensava que ela não queria nada.
Mesmo assim, ele passava horas do seu dia pensando nela. Horas que se estendiam vagarosamente. Ainda bem, imaginava ele. Pois assim, poderia pensar ainda mais nela. E tudo o que ele pensava era: Como? Como se aproximar sem se distanciar? Como demonstrar sem despencar? Como conseguir sem ela fugir?
Ele começou a relembrar do passado. Sempre ele, o cruel passado. O passado que tanto futuro prometeu. Mas não cumpriu. O passado que presentes deu, e depois, retomou. Palavras que foram ditas, sonhos, vividos e imaginações, criadas.
E o passado passou, presenteando-o com a triste realidade que tornou o futuro, incerto. Como sempre.
Para que, afinal, o comodismo, se podemos arriscar por muito mais? Ele propôs, sem que ela, talvez, sequer soubesse. E, de repente, a óbvia redundância voltou. E com ela, os sonhos a serem vividos, as grandes aventuras a serem imaginadas, o amor a ser consumido.
Talvez a eterna romântica alma dele seja paciente, esperançosa. E sempre há de sonhar. Há de viver um futuro que ainda não existe, mas ao mesmo tempo, existe. Nele. E essa romântica alma dele deseja e quer, de todas as maneiras, que ela também queira sair do comodismo para viver uma grande e redundante aventura. Mas nada óbvia. Cheia de simbolismos, significados, diversão e desafios. E ele tem certeza que felizes eles serão, desde que ela aceite o desafio. Desde que ela enxergue o futuro que ele imagina, para deixar o passado que passou e viver um belo, agradável, redundante e óbvio presente.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Pessoas do mundo

Há pessoas e pessoas nesse nosso mundo. Pessoas admiráveis e pessoas detestáveis. Cada uma a seu modo. Há aquelas tolas sonhadoras que vêem romance em tudo. Seja nas nuvens de um céu chuvoso ou nas estrelas de uma quente noite. Há aquelas realistas, incrédulas, amorfas. Chatas. Há pessoas felizes apenas por respirar, e pessoas tristes, apenas por existir. Há as apaixonadas por música, apaixonadas pelo cheiro de extrato de banco e de revistas novas, apaixonadas por si mesmas, apaixonadas pelo cheiro da noite e apaixonadas pelo dinheiro. Há as odiosas, que odeiam ligações de telemarketing de manhã cedo e odeiam cerveja quente e café frio. Há algumas que adoram discutir política, mas odeiam falar de futebol. Há outras que são apaixonadas pelo time do coração e têm um ódio mortal dos políticos corruptos. E há aquelas que nem ligam mais, nem pra um, nem pra outro. Talvez, nem pra si mesmas. Há pessoas que trocariam qualquer programação importante apenas para sair com os amigos, e pessoas que trocariam qualquer amigo para sair com a pessoa amada. Não podemos esquecer daquelas que vivem buscando ideias e inspirações, e aquelas que encontram inspiração só de olhar para uma fechadura, por exemplo. Há aquelas que sonham em pular de paraquedas e aquelas que tremem só de ficar à beira de um alto prédio. Há pessoas que amam o mar, outras que amam a piscina. Preferem catchup, ou preferem mostarda. Talvez até prefiram ambos, talvez adicionando maionese e pimenta. Enfim, há pessoas e pessoas nesse nosso mundo. A parte curiosa disso tudo surge quando descobrimos que todas essas pessoas na verdade são uma só. Nós mesmos. Um dia após o outro, um sonho após o outro. Ou, uma pessoa após a outra.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Unhas vermelhas

Ela estava lá, provavelmente sentada em algum sofá de alguma sala assistindo a alguma coisa tola na televisão. Despreocupada, claro. Talvez pintando as unhas dos pés. De vermelho. Talvez, pensando em alguém.
Ele estava ali, usando novamente sua romântica imaginação, imaginando alguma linda garota sentada em algum sofá, assistindo a qualquer tola coisa na televisão. Talvez ela estivesse pintando as unhas dos pés, de vermelho, ou talvez, estivesse esperando o bolo ficar pronto.
 
Já era noite quando ele saiu de casa. Ligou o carro e saiu. Parou em um semáforo e, como de costume, olhou para o carro ao lado. Ali estava uma garota ao volante olhando fixamente para o semáforo. E ela era linda. Ele a reconheceu de algum lugar, mas não fazia ideia da onde. Então, ficou ali, observando-a, tentando relembrar de onde a conhecia, quando ouviu uma buzina. O sinal abrira. Engatou a primeira marcha e acelerou, tentando chegar ao lado do carro dela para observá-la ao menos mais uma vez. Mas ela virou em uma esquina e ele, continuou reto.
No outro carro, ela sequer notou aquele homem que a observava quando estavam parados no semáforo. Após virar a esquina, ela parou em frente a um prédio. Pegou seu celular e chamou sua amiga.
Algumas quadras à frente, ele pegou o celular. Cara, to chegando. Desce. Desligou o celular e o jogou no banco do passageiro.

Em frente a um barzinho qualquer, ela e a amiga estavam esperando na fila. Em suas mãos, duas latas de cerveja. Falavam besteiras e riam de besteiras.

No carro, ele e o amigo passavam em frente a um barzinho qualquer. Reduziram a velocidade. Na fila, algumas várias pessoas. Nenhuma conhecida. Foram em frente.

Quase na porta do barzinho, ela e a amiga continuavam conversando. A fila andou. O segurança falou. Vocês não pode entrar com essas garrafas. Elas terminaram de beber, colocaram as garrafas na calçada e entraram.

Ao lado do carro estacionado, ele e o amigo decidiam para onde ir. Aqui ou ali? Não sei. Vamos pra lá? Vamos. E foram. Chegaram à frente de um barzinho qualquer. Entraram na fila e esperaram. A fila andou e parou. Continuaram esperando. A fila voltou a andar. Ele chutou, sem querer, duas garrafas que alguém havia deixado pela calçada. Passaram pelo segurança e entraram.

Dentro daquele barzinho qualquer, eles pediram duas garrafas de cerveja. Ou melhor, quatro, já que duas iriam para aquelas duas garotas que viam logo à sua frente. Ele a reconheceu, mas não fazia ideia da onde. Talvez se tivesse visto as unhas dos pés dela, pintadas de vermelho, saberia. Oi, escute. Eu não te conheço? Acho que não. Então, prazer. Prazer, vocês dois bebem, hein? Não, essas duas garrafas são pra vocês. E começaram a conversar. Conversaram trivialidades e se divertiram através de imbecilidades. Cara, preciso mijar, já volto. Eu também preciso mijar. Garotas, já voltamos. E eles foram para o banheiro. Quando saíram, não as viam mais. Onde será que elas estão? Sei lá. Vamos procurar? Vamos. Deram uma volta inteira pelo bar, mas não mais as encontraram. Quando olharam para a porta de saída, lá iam elas. Cara, você realmente conhecia ela? Sei lá, mas alguém tinha que falar alguma coisa. E ele deu mais um gole na cerveja.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O cacau e o ramalhete

Ali estava ele ajoelhado na grama. À sua frente, um pequeno buraco no chão estava sendo preenchido de terra. Suas mãos, estavam escuras. Suas unhas, sujas e suas lágrimas transformavam tudo aquilo em lama. Ele se levantou e enxugou os olhos com a manga da camisa. Olhou para o chão e sorriu. Sorriu tristemente. Sorriu chorando.

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Ali estava ele ajoelhado ao lado de uma cama. À sua frente, sua até então namorada dormia ao lado de outro homem. Era amigo dela, o melhor amigo dela. Preferiu não acordá-la. Preferiu o silêncio. Virou as costas e saiu. Pegou um ônibus e foi para casa. Sentado com a cabeça encostada em uma janela, pensava no erro que havia cometido. Não ele, mas ela. Chegou em casa e chorou. Relembrou do dia em que ela aceitou namorá-lo, e lembrou que nesse dia também chorou. E vejam só que ironia, agora o significado era paradoxalmente o oposto. Então, pegou o telefone. Ela não atendeu. Devia estar dormindo ainda, torcia ele. Desde quando isso estava acontecendo? Que fosse a primeira vez, esperava ele, assim seria também a última. Mas estava curioso sim pelas desculpas, e não pelos pedidos de desculpas. Telefonou novamente. E, novamente, ela não atendeu.


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Em uma floricultura, ele escolhia o melhor dos significados. Dentre as várias espécies e cores, ele queria aquela que teria o significado definitivo. Que tal essa? Linda, assim como ela. Mas aquela era marcante, assim como ela. Enfim, escolheu por uma dentre várias, assim como escolheu a ela, dentre várias. Quanto custa?


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Deitado em sua cama, ele parara de chorar. Mas continuava sorrindo. Estava, finalmente, namorando ela que por tanto tempo foi seu sonho. Olhou para o lado e, ali, estava um belo ramalhete de flores vermelhas. Clichê? Talvez. Deveria juntar ao ramalhete, algum clichê chocolate? Talvez. Desistiu da ideia por não saber qual chocolate ela mais gostava. E quando se encontraram, ela adorou o presente. Agradeceu em forma de um lindo sorriso e um delicioso beijo. Então, saíram para jantar.


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Deitado em sua cama, ele estava chorando. Olhou para o lado e, ali, estava a aliança que usara pelos últimos 7 meses. Seu telefone tocou. Era ela. Ele enxugou os olhos com a manga da camisa e atendeu. Ela disse que havia terminado de fazer o trabalho da faculdade e queria vê-lo. Ele disse não. Ela não entendeu. Ele explicou. Ela se arrependeu, ele disse que tudo terminou e, então, desligou.


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Ele saiu de casa e foi até o jardim. Ali ele se ajoelhou e fez um pequeno buraco no chão. Suas lágrimas transformaram a seca terra em lama. No buraco, ele depositou uma aliança e, no meio dela, uma semente. Quanto custou? O suficiente. Começou a preencher o buraco com terra e, desde então, ele está esperando a semente germinar. Pois ele sabe que daquela semente de cacau irá brotar o chocolate que ele quiser. E esse chocolate vai lhe trazer a mesma felicidade que ele já teve e lhe foi roubada. Esse chocolate ele dará, junto a um clichê ramalhete de vermelhas flores, para a próxima flor que ele escolher dentre as várias que existem pelo mundo afora.

Rafael Monteiro - 02/06/09